O Príncipe

Em livros antigos com os quais me reencontro, buscando-os nas estantes onde sei estarem,  aquela precisão de cegueira noctívaga que nos gatos se encontra, está o antevisto. Há em mim, instintiva, a intuição de neles ir achar quanto preciso, espécie de memória recalcada de os ter, em tempos, lido e ter ficado então a ligar-me às suas páginas fio de Ariana que me possibilita, depois, regresso à casa das recordações que neles se edifica.
Eis, por isso, há pouco, com Augusto de Castro, numa bela obra, impressa em magnífico papel, ilustrada por Eduardo Malta, tudo nomes que já foram para o Purgatório do contemporâneo esquecimento, perdidos neste mundo de tão escassos leitores, cada vez menos, perdidos mesmo os que antes liam e hoje dormitam a mente; livro editado sem data, mas terá sido impresso em 1961. Exemplar o meu - céus de espanto agora comigo aqui ao lado - assinado e numerado, preciosidade bibliófila para quem ache nisso valor, sentimental seja. Livro onde - e portanto ao que venho - onde acho uma crónica sobre Afonso Lopes Vieira.
De tantos modo possíveis de o ter escrito, de tantos ângulos poderia ter sido visto o Homem ali sumariado, há neste artigo de Os Homens e as Sombras a saudosa referência aos tempos comuns em Coimbra, estudantes ambos, «quando eu por lá andei a formar-me em Direito e ele em versos do Choupal e autos de Gil Vicente. Ele já era o bardo, franzino, de uma geração».
E é sobre Vieira literário, «meu querido Cavaleiro Andante da Poesia e da Saudade» que se escreve.
Sinto nesta páginas a presença, passos fossem e contemporâneos, vagueantes poetas e sua lírica, porquanto «nessa época distante, rir e fazer versos eram ainda em Coimbra tradições tão fortes como a das Ordenações Filipinas».
Mas acho nelas, o súbito cruzamento que a vida permite, esse maravilhoso acaso em que as almas se cruzam no mundo sensível, em momento improvável. 
Augusto de Castro embaixador em Roma, onde foi embaixador recorda: «Um dia, Mestre Afonso apareceu-me em Roma. Vinha como Romeiro de Lisboa a Marrocos, à Sicília; tinha refeito o itinerário de Santo António. Viera só, num navio costeiro. Passeámos juntos pela Via Ápia, pelas sombras do Punico, pelo Capitólio, entre as fontes e as ruínas. Mas era a alma do Santo António que o tentava. Seguia as peugadas do Santo. Partiu logo a seguir para a doirada Úmbria. Tinha um encontro marcado com S. Francisco, em Assis, De lá abalou para Pádua. Levava nos olhos os crepúsculos de Giotto.»
O texto chama-se A Última Poesia. É sobre «O Príncipe de S. Pedro de Muel».