Mau jurista, muito menos poeta

Regresso aqui com os versos que Afonso Lopes Vieira dedicou a Coimbra, onde por seis anos andou às voltas com um curso de Direito, concluído pelos mínimos, descontente e rebelde.
O exemplar, encadernado a pano vermelho que me coube - vermelho, afinal, as cores do curso - traz o ex-libris do seu anterior detentor: «pensar nos outros» e o seu nome: Raul de Oliveira.
Há nos versos o morno lirismo típico de quem viveu Coimbra boémia e estudantil e as costumeiras referências ante as quais, a mais não haver, ficaria obra sem destrinça de quantas se publicaram em saudade e recordação. O Mondego, o Choupal, as tricanas, o luar e as serenatas, por ali surgem, em rima por vezes falhada, em métrica que também coxeia.
O que há no pequeno livro de interessante é, porém, o clamor ardoroso de revolta, contra a vida que foi dado viver e contra a vida que se avizinha. 
A primeira vem logo anunciado no primeiro poema, os «dias banaes/que por terem passado é que parecem bem»; a segunda é tema do segundo poema, que na undécima estrofe se proclama: «Escusaes de fingir saudades p'lo Mondego/Sem comedias, parti, levando o rosto enxuto/Não falleis de bohemia e conquistae o emprego».
Estão aqui, por outro lado, as sementes por germinar de uma alma que se afirmaria inconformada com os do seu tempo: «e vós confessareis/que a legendaria capa negra não encobre/aventureiros, mas apenas bachareis».
Dedicado a Alberto Costa [o aqui já referido Pad Zé] e a Emerico de Alpoim, O Meu Adeus, é admissão do desinteresse por aquelas aulas, aquele curso, aqueles livros. Saudade dos antigos, «sem dinheiro, sem Dôr, com musculos - e doudos/Esses que já lá estão inda souberam ser/Rapazes a valer, bons camaradas todos,/Cantavam á viola, estudavam sem ler». Seis anos de Universidade «Dos seis anos que andei os livros sobraçando/- Té ao cabo chegar desta navegação,/E nos bancos da aula o corpo flagellando,/Pouco vi que fallasse a este coração».
Mas já a intervenção cívica irrompia. «O estudante eram um pouco a Patria aventureira/Que ama a mulher, o acaso, e á sorte se confia...», Pátria doente «A Patria deu-nos a mamar um leite doente/Nossa Patria foi tuberculosa Mãe:/Sou como vós degenerado descendente,/De iguais males padeço e sou pôdre també».
Estudante de Direito «bacharel, como toda a gente» [diria] assim se retrataria: «No velho casarão de monastico ar/Eu seis annos gastei da minha vida inquieta/E, se aprumado entrei, sahi a corcovar: Fiquei um mao jurista e muito menos poeta!»