Inevitabilidade e inexistência

Outro encontrado em primeira edição, o pequeno livro, em oitavo, Onde a terra se acaba e o mar começa, título tirado de verso dos Os Lusíadas [III, 20]: «Onde a terra se acaba e o mar começa/é Portugal;/simples pretexto para o litoral,/verde nau que ao mar logo se arremessa».
Dedicado «à memória do meu amigo Vicente Arnoso», composto na Primavera de 1940 na Imprensa Portugal-Brasil para a Livraria Bertrand, de Lisboa. Capa desenhada por João Carlos, retrato do autor da autoria de Eduardo Malta.
Diria que desfeia o meu exemplar, concretamente a página do livro onde se lê o poema Saudade [n.º 41] uma pequeno trecho manuscrito a tinta vermelha, de origem desconhecida, letra redonda, uma nota que nem poética regular chega a ser e que aqui transcrevo [tal qual grafado]: «Tem sete letras apenas/A dôce palavra saudade/Quem primeiro a pronunciou/Com certeza que chorou».

Para que ganhe sentido o acrescento, eis o breve poema de Afonso Lopes Vieira: «Esta palavra saudade/aquele que a inventou/por ser a palavra tão doce/ia chorar, não chorou».
Trata-se, pois, de réplica por contraposição à ideia do poema, trazendo sentido comum e ilação fácil ao que no original tem dimensão mais subtil e profunda. 
Para Vieira, o inventor da palavra «ia chorar, não chorou», para quem aditou o que cito, «com certeza que chorou». 
E porque tornou o poeta do livro ora achado a inevitabilidade em inexistência, o ir chorar em não ter chorado? Pela doçura da palavra. E eis o que dá para pensar.